Ao longo da minha vida, observei que a falta de uma comunicação eficiente e acessível é uma das principais causas da ansiedade e da ineficiência no ambiente de trabalho.
Nunca fiz um estudo científico sobre isso, apesar de ter muita vontade. Mas os 20 anos em que passei em agências de comunicação corporativa me deram muitos subsídios para que eu continuasse acreditando nisso até hoje.
Ali, eu tinha equipe para gerir, jornalistas para atender, crises para gerenciar e ânimos para acalmar. Tinha também que ajudar meus clientes a engajarem seus funcionários e funcionárias, a conversarem com as comunidades, com empresas parceiras, fornecedoras, entre outros. Bem resumidamente, eu usava as técnicas do jornalismo, do storytelling e da inovação colaborativa para ver se a comunicação fluía melhor.
Deu certo muitas vezes. Outras, não. Eu ficava muito intrigada com isso. Por que a mesma estratégia e formato de sucesso não haviam funcionado em outros casos?
Hoje pode parecer óbvio, mas levei um bom tempo para perceber que a chave desse mistério estava no ato de se comunicar, na escolha das palavras e construção das frases. Estava na ausência de empatia. Faltava acessibilidade na comunicação.
O meu envolvimento no Movimento Web para Todos me trouxe ainda mais elementos para que eu repensasse o que é de fato uma comunicação eficiente. Desde 2017, quando lançamos esse movimento para promover a cultura de acessibilidade na web brasileira, passei a conviver de forma mais próxima com pessoas com deficiência.
Estou falando de profissionais com cegueira, surdez, autismo, TDAH, Síndrome de Down, com dislexia, tetraplegia, entre outros. Ao ter que descrever imagens para os meus novos amigos cegos, passei a enxergar e a valorizar detalhes do cenário e da cena que antes passariam despercebidos por mim. Só que “estes detalhes” eram fundamentais para que eles compreendessem todo o contexto daquela determinada informação.
Ao me aprofundar no mundo das pessoas surdas, conheci brasileiros e brasileiras que são como pessoas estrangeiras em sua própria terra. E, ao arriscar alguns sinais em Libras ou classificadores (que são mais ou menos as mímicas), percebi a importância de se simplificar ao máximo a estrutura das frases para aumentarmos a compreensão do outro lado.
Esses são apenas alguns dos vários exemplos sobre a experiência maravilhosa que tive – e ainda tenho – de conviver com pessoas diversas. Convivência que me inspirou a querer ajudar mais gente a se comunicar melhor, a ser compreendida em seu grupo, a diversificar seu time e desfrutar dos benefícios que isso gera tanto no trabalho quanto na vida pessoal.
Por isso, reuni neste artigo algumas dicas para que você também comece a repensar a forma como se comunica, especialmente no ambiente de trabalho (físico ou virtual). Espero que você possa experimentar os benefícios diretos que terá nas atividades que realiza com seus colegas. Vai perceber como as coisas tenderão a serem mais assertivas.
Mas o que vai mesmo lhe trazer satisfação será o fato de você estar colaborando para a inclusão social de diversas pessoas que estão ao seu redor e à espera de uma chance apenas.
Mas o que é comunicação acessível?
A comunicação acessível envolve a utilização de técnicas de comunicação, tecnologias e a remoção de barreiras de acessibilidade para garantir que pessoas diversas tenham igualdade de oportunidades de aprendizado, colaboração e participação, promovendo a inclusão e a igualdade de acesso à informação e interação.
É a comunicação não violenta que prioriza a empatia e o autoconhecimento. É aquela que dá espaço para que qualquer pessoa seja ouvida e tenha voz ativa, independentemente de sua condição ou grau de letramento. É ser coerente com o que você fala e faz, com sua comunicação verbal e não verbal.
Pequenas mudanças em sua rotina podem causar grande impacto em sua vida e na de muita gente próxima a você.
Comece pelos documentos que produz
Olhe para eles e responda: “qualquer pessoa entenderia o que está escrito ali e saberia claramente o que deve ser feito?”
Listo a seguir algumas dicas para que você consiga responder “sim” à esta pergunta.
- Uma informação após a outra. Organize suas ideias de forma que seja possível acompanharmos sua linha de raciocínio.
- Prefira sempre a ordem direta na construção das frases. Siga a fórmula: “sujeito + verbo + complemento”. Recomendo que leia também meu artigo sobre linguagem inclusiva, neutra e acessível.
- Escolha imagens de fácil compreensão e que realmente auxiliem quem está lendo a entender o que você está querendo dizer com aquilo. Deixe clara a relação delas com o texto. Crie o hábito de descrever as imagens, mesmo que não tenha nenhuma pessoa cega no grupo.
- Escolha as palavras mais simples e rotineiras. Fuja da linguagem técnica se você quiser diversidade de pessoas no seu time.
- Evite usar metáforas, figuras de linguagem ou expressões regionais em seu texto. Muita gente tem compreensão literal sobre as coisas e visualizarão exatamente o que disse. Ao cumprir esse e os tópicos anteriores vai perceber, inclusive, que a tradução do seu documento para outra língua no Google Tradutor vai ser muito mais assertiva e precisa.
- Se você usa o pacote Office do Windows, abuse dos recursos automáticos de acessibilidade e aprenda a formatar documentos acessíveis. No Word, por exemplo, clique em “revisão”, ative o botão “ler em voz alta” e ouça com os olhos fechados para saber se seu texto ficou claro. No Power Point, mantenha o botão “verificar acessibilidade” ativado e siga as recomendações de construção de slides.
Faça reuniões colaborativas
Cuidado para não intimidar ninguém.
Uma simples risadinha de canto de boca ou uma expressão de desaprovação de uma ideia, por exemplo, podem calar muitas ideias e possíveis soluções de problemas. Esse é um cuidado que devemos ter especialmente nas videoconferências, pois os nossos rostos e expressões ficam ainda mais evidentes. E não pense que desligar a câmera vai eliminar esse problema! Muitas vezes, isso pode até piorar a situação e causar ainda mais desconforto no time.
Diversifique o grupo.
Misture raças, idades, gêneros, formações etc. Inclua pessoas com deficiência. Isso poderá lhe dar um trabalhinho extra na organização da reunião, mas você vai se surpreender com o resultado.
Numa sessão de design thinking que participei uma vez, a melhor ideia para solucionar um problema de comunicação interna não surgiu da profissional da área (no caso, eu). Ela foi dada por um piloto de avião comercial que estava no meu grupo!
Ah! As mesmas regras citadas para a construção de documentos acessíveis valem também na linguagem oral, tá?
Se tiver alguma pessoa surda no grupo, use o recurso do Power Point (PPT) para criação de legendas automáticas enquanto você fala.
E se não tiver, teste mesmo assim a ferramenta com seu time. No mínimo, será uma reunião diferente das outras e vai render muito papo no horário do cafezinho. O Google Slides também tem o recurso, mas ainda só em inglês.
Nas reuniões online, pode usar as legendas automáticas disponíveis no Google Meet e Microsoft Teams. Mas, atenção: lembre-se de falar pausadamente, uma pessoa por vez e usar palavras conhecidas para que a qualidade da legenda fique ainda melhor e o conteúdo mais fácil de ser compreendido.
E se tiver pessoas cegas ou com baixa visão, lembre-se de descrever as imagens de sua apresentação para que ela acompanhe todo o contexto.
E se não tiver, teste essa dinâmica com seus colegas e aproveite para reativar em todos a atenção aos detalhes e ao que importa de fato ser dito.
Em reuniões por videoconferência ou telefone, certifique-se de que todos estão conseguindo acompanhar.
Situações como essas costumam ser desconfortáveis para pessoas com déficit de atenção, autismo e surdez, por exemplo. Sem contar a dispersão clássica provocada pelos e-mails e mensagens no WhatsApp que qualquer um sofre, especialmente quando o organizador da reunião não pode ser visto.