Tem sido muito comum hoje em dia ver pessoas como nós cada vez mais ansiosas, sem paciência para conversarem umas com as outras ou explicarem tarefas simples. Estamos com pressa e angústia pelo excesso de informação, com dificuldades de reter a atenção em algo. E parece que tudo isso foi intensificado ainda mais após a pandemia do Coronavírus e com o home office forçado.
No trabalho, há uma cobrança crescente por criatividade para atingirmos metas mais ousadas. Buscamos formações das mais variadas e modernas para conseguirmos ser mais eficientes em nossas tarefas e funções.
Ao longo da minha vida, observei que a falta de uma comunicação eficiente e acessível é uma das principais causas da ansiedade e da ineficiência no ambiente de trabalho.
Nunca fiz um estudo científico sobre isso, apesar de ter muita vontade. Mas os 20 anos em que passei em agências de comunicação corporativa me deram muitos subsídios para que eu continuasse acreditando nisso até hoje.
Ali, eu tinha equipe para gerir, jornalistas para atender, crises para gerenciar e ânimos para acalmar. Tinha também que ajudar clientes a engajarem o público interno, a conversarem com as comunidades, consumidores e consumidoras, com empresas parceiras e fornecedoras.
Bem resumidamente, eu usava as técnicas do jornalismo, do storytelling e da inovação colaborativa para ver se a comunicação fluía melhor. Deu certo muitas vezes. Outras, não. Eu ficava muito intrigada com isso. Por que a mesma estratégia e formato de sucesso não haviam funcionado em outros casos?
Hoje pode parecer óbvio, mas levei um bom tempo para perceber que a “chave” desse mistério estava no ato de se comunicar, na escolha das palavras e construção das frases.
Estava na ausência de empatia. Faltava acessibilidade na comunicação.
O meu envolvimento no Movimento Web para Todos me trouxe ainda mais elementos para que eu repensasse o que é de fato uma comunicação eficiente. Desde 2017, quando lançamos esse movimento para promover a cultura de acessibilidade na web brasileira, passei a conviver de forma mais próxima com pessoas com deficiência.
Estou falando de profissionais com cegueira, surdez, autismo, TDAH, síndrome de Down, com dislexia, tetraplegia, entre outros. Ao ter que descrever imagens para os meus novos amigos cegos, passei a enxergar e a valorizar detalhes do cenário e da cena que antes passariam despercebidos por mim. Só que “estes detalhes” eram fundamentais para que eles compreendessem todo o contexto daquela determinada informação.
Ao me aprofundar no mundo das pessoas surdas, conheci brasileiros e brasileiras que são praticamente como gente estrangeira em sua própria terra. E, ao arriscar alguns sinais em Libras ou classificadores (que são mais ou menos as mímicas), percebi a importância de se simplificar ao máximo a estrutura das frases para aumentarmos a compreensão do outro lado.
Esses são apenas alguns dos vários exemplos sobre a experiência maravilhosa que tive – e ainda tenho – de conviver com pessoas diversas. Convivência que me inspirou a querer ajudar mais gente a se comunicar melhor, a ser compreendida em seu grupo, a diversificar seu time e desfrutar dos benefícios que isso gera tanto no trabalho quanto na vida pessoal.
Por isso, reuni neste artigo algumas dicas para que você também comece a repensar a forma como se comunica, especialmente no ambiente de trabalho (físico ou virtual). Espero que você possa experimentar os benefícios diretos que terá nas atividades que realiza com colegas profissionais. Vai perceber como as coisas tenderão a serem mais assertivas.
Mas o que vai mesmo lhe trazer satisfação será o fato de você estar colaborando para a inclusão social de diversas pessoas que estão ao seu redor e à espera de uma chance apenas.
Mas o que é comunicação acessível?
É aquela que todo mundo entende. É o ato de se preocupar com a outra pessoa, de buscar uma forma de passar determinado conteúdo com o objetivo de fazer com que ela o compreenda e consiga tomar decisões.
É a comunicação não violenta que prioriza a empatia e o autoconhecimento. É aquela que dá espaço para que qualquer pessoa seja ouvida e tenha voz ativa, independentemente de sua condição ou grau de letramento. É ser coerente com o que você fala e faz, com sua comunicação verbal e não verbal.
Eu tenho observado que profissionais que se comunicam de maneira acessível geralmente:
- Buscam a maior diversidade possível de pessoas em seus times e estimulam constantemente a troca de ideias e experiências.
- Não se acomodam até que suas equipes tenham compreendido os detalhes do plano estratégico da empresa e o papel de cada um na busca dos objetivos traçados.
- Engajam seus times com mais facilidade.
- Têm mais criatividade e não têm medo de arriscar.
Pequenas mudanças em sua rotina podem causar grande impacto em sua vida e na de muita gente próxima a você.
Comece pelos documentos que produz
Olhe para eles e responda: “qualquer pessoa entenderia o que está escrito ali e saberia claramente o que deve ser feito?”
Listo a seguir algumas dicas para que você responda “sim” à esta pergunta.
💡 Uma informação após a outra. Organize suas ideias de forma que seja possível acompanharmos sua linha de raciocínio.
✔️ Prefira sempre a ordem direta na construção das frases. Siga a fórmula: “sujeito + verbo + complemento”.
🔅 Escolha imagens de fácil compreensão e que realmente auxiliem quem está lendo a entender o que você está querendo dizer com aquilo. Deixe clara a relação delas com o texto. Crie o hábito de descrever as imagens, mesmo que não tenha nenhuma pessoa cega no grupo.
Assim, você vai treinando e estará preparado para lidar com ela quando a oportunidade surgir.
🔹 Escolha as palavras mais simples e rotineiras. Fuja da linguagem técnica se você quiser diversidade de pessoas no seu time.
🚫 Evite usar metáforas ou expressões regionais em seu texto. Muita gente tem compreensão literal sobre as coisas e visualizarão exatamente o que disse. Ao cumprir esse e os tópicos anteriores vai perceber, inclusive, que a tradução do seu documento para outra língua no Google Tradutor ou em tradutores de Libras vai ser muito mais assertiva e precisa.
♿️ Se você usa o pacote Office do Windows, abuse dos recursos automáticos de acessibilidade e aprenda a formatar documentos acessíveis. No Word, por exemplo, clique em “revisão”, ative o botão “ler em voz alta” e ouça com os olhos fechados para saber se seu texto ficou compreensível. No Power Point, mantenha o botão “verificar acessibilidade” ativado e siga as recomendações de construção de slides.
Na ilustração a seguir, eu destaco num retângulo roxo onde estão os botões de acessibilidade no Word depois de clicar em “revisão”.
Faça reuniões colaborativas
⚠️ Cuidado para não intimidar ninguém.
Uma simples risadinha de canto de boca ou uma expressão de desaprovação de uma ideia, por exemplo, podem calar muitas ideias e possíveis soluções de problemas. Esse é um cuidado que devemos ter especialmente nas videoconferências, pois os nossos rostos e expressões ficam ainda mais evidentes.
E não pense que desligar a câmera vai eliminar esse problema! Muitas vezes, isso pode até piorar a situação e causar ainda mais desconforto no time.
Eu cito isso no meu curso online sobre como criar sessões de brainstorming efetivas e dou mais algumas sugestões de como driblar este problema. Infelizmente, ele é muito comum no ambiente corporativo, especialmente com os níveis mais altos de ansiedade e pressão nos dias de hoje.
Entendi bem o impacto de nossas atitudes e palavras na vida de quem está à nossa volta depois que li o livro Mindset, da psicóloga Carol Dweck. Vale muito a pena você conhecer o resultado das pesquisas que ela fez durante anos com gente dos mais variados perfis e idades. Você nunca mais verá as pessoas da mesma forma, tenho certeza!
⭐️ Diversifique o grupo.
Misture raças, idades, gêneros, formações etc. Inclua pessoas com deficiência. Isso poderá lhe dar um trabalhinho extra na organização da reunião, mas você vai se surpreender com o resultado.
Numa sessão de design thinking que participei uma vez, a melhor ideia para solucionar um problema de comunicação interna não surgiu da profissional da área (no caso, eu). Ela foi dada por um piloto de avião comercial que estava no meu grupo!
Ah! As mesmas regras citadas para a construção de documentos acessíveis valem também na linguagem oral, tá?
🤟 Se tiver alguma pessoa surda na sala, use o recurso de criação e legendas automáticas enquanto você fala.
Existem aplicativos, softwares e até o Power Point (PPT) prontos para lhe ajudarem nesse trabalho. Mesmo se não tiver ninguém com surdez ali contigo, sugiro que você teste mesmo assim esse tipo de ferramenta com seu time, especialmente em apresentações com PPT. No mínimo, será uma reunião diferente das outras e vai render muito papo no horário do cafezinho. O Google Slides também tem o recurso, mas ainda só em inglês.
Se a reunião for virtual e a plataforma não disponibilizar legenda automática, você pode ativar o recurso no próprio PPT e compartilhar a tela. E se houver necessidade de maior precisão do texto e se for um evento com muitas pessoas, há também o serviço de estenotipia para você considerar. Ou seja, não há desculpas para a exclusão.
😎 E se tiver pessoas cegas ou com baixa visão, lembre-se de descrever as imagens de sua apresentação para que ela acompanhe todo o contexto.
E se não tiver, teste essa dinâmica com colegas em seu trabalho e aproveite para reativar em todo mundo ali a atenção aos detalhes e ao que importa de fato ser dito.
☎️ Em reuniões por videoconferência ou telefone, certifique-se de que participantes estão conseguindo acompanhar.
Situações como essas costumam ser desconfortáveis para pessoas com déficit de atenção e autismo, por exemplo. Sem contar a dispersão clássica provocada pelos e-mails e mensagens no WhatsApp que qualquer criatura sofre, especialmente quando quem organiza a reunião não está visível.
Conhecer antecipadamente o perfil de participantes é fator crucial para a escolha do melhor canal, formato e tempo de duração da sua reunião. Eu tive um cliente, por exemplo, que sabia que seu time conseguia se concentrar por pouquíssimo tempo. Assim, suas reuniões eram sempre em pé e duravam no máximo 20 minutos. E nunca se discutia mais de um tópico por vez e a equipe chegava com conhecimento prévio da pauta.
As ferramentas de trabalho e o ambiente também devem ser acessíveis
- As informações na intranet (ou em qualquer canal de uso interno) devem estar claras e acessíveis. E, claro, qualquer pessoa deve conseguir navegar sem dificuldades por esses canais com ou sem o uso de tecnologia assistiva.
- A acessibilidade do ambiente como um todo deverá ser levada em consideração. Deve ser acolhedor e de fácil percepção para pessoas com e sem deficiência, com baixo grau de letramento, idosas, estrangeiras, ou seja, para os mais diferentes perfis.
Eu costumo compartilhar algumas dicas por aqui, mas estou sempre aprendendo algo novo nos trabalhos que realizo. Entre em contato comigo se quiser saber mais sobre palestras e cursos sobre como tornar sua comunicação mais acessível e produtiva em sua empresa.
E se tiver interesse em tornar seus canais digitais acessíveis e capacitar seu time de desenvolvimento, design, UX e conteúdo, é só chamar a equipe do Movimento Web para Todos.
NOTA: Este artigo foi publicado originalmente no Linkedin no dia 8/6/2020 e atualizado em 13/3/2023.