A conscientização sobre a importância da sustentabilidade tem crescido consideravelmente nos últimos anos, levando as empresas a adotarem práticas mais responsáveis do ponto de vista ambiental, social e de governança (ESG, na sigla em inglês).
Uma ferramenta essencial para comunicar essas práticas é o “relatório anual de sustentabilidade” ou “relatório integrado”. No entanto, tenho lido vários relatórios de grandes empresas brasileiras e pude observar que elas não têm atendido plenamente às diretrizes estabelecidas pela Global Reporting Initiative (GRI).
GRI, para quem ainda não conhece, é uma organização internacional sem fins lucrativos que desenvolveu um conjunto de normas para a elaboração de relatórios de sustentabilidade amplamente utilizado por organizações no mundo todo.
Vou focar aqui em duas diretrizes específicas que estão sendo negligenciadas em muitos relatórios: a transparência e a comunicação clara e compreensível.
Esses princípios visam garantir que as empresas forneçam informações detalhadas, confiáveis e compreensíveis sobre suas práticas de sustentabilidade. A transparência significa divulgar informações de maneira honesta e completa, incluindo tanto os sucessos quanto os desafios enfrentados pela empresa em relação à sustentabilidade. No entanto, muitos relatórios de sustentabilidade acabam omitindo informações críticas e ou apresentam dados de forma tendenciosa.
Já a comunicação clara e compreensível envolve apresentar informações de forma que todas as partes interessadas, independentemente de sua formação, possam compreender facilmente. Infelizmente, muitos relatórios ainda utilizam jargões técnicos e linguagem complexa, excluindo um público mais amplo e diversificado.
Comunicação acessível e produtiva
A comunicação acessível e produtiva é uma abordagem que se concentra na capacidade de se comunicar de forma eficaz, clara e inclusiva com todas as partes interessadas. Isso é vital em relatórios de sustentabilidade, onde a compreensão das informações e o envolvimento dos públicos de interesse são fundamentais. Ou, pelo menos deveriam ser encarados dessa forma pelas empresas que se mostram verdadeiramente preocupadas em adotar práticas ESG.
A acessibilidade envolve tornar o relatório acessível a pessoas com diferentes habilidades, incluindo aquelas com deficiências. Isso pode ser alcançado por meio de traduções em vários idiomas, incluindo língua de sinais, versões simplificadas em áudio ou vídeo, bons contrastes, tipologia adequada, imagens com descrição, PDF acessível, entre outros aspectos.
A comunicação produtiva, por sua vez, garante que a mensagem seja clara, relevante e que possa ser utilizada por quem a consome. Ou seja, esse tipo de relatório quando desenvolvido com esse pensamento, ajuda pessoas a implementarem as ações lidas no material em sua empresa, a rediscutirem suas próprias estratégias de sustentabilidade, estimulam a sociedade a participar e a colaborar com o desenvolvimento das atividades e assim por diante.
A comunicação produtiva leva para a ação. Ela se refere à habilidade de transmitir informações de forma clara, objetiva e efetiva, permitindo que as pessoas compreendam as mensagens enviadas e tomem algum tipo de atitude com base nelas. Já a comunicação acessível se concentra em tornar o conteúdo disponível e compreensível para todas as pessoas, independentemente de suas habilidades ou limitações.
Quando combinados, estes dois aspectos da comunicação criam uma interação positiva, eficiente e inclusiva, fortalecendo as relações, promovendo o entendimento mútuo e provocando mudanças positivas.
A comunicação acessível e produtiva no desenvolvimento de relatórios de sustentabilidade
Listei a seguir algumas dicas e recomendações para ajudar você a desenvolver relatórios de sustentabilidade que incorporem os conceitos da comunicação acessível e produtiva. Elas estão em formato de checklist e podem ser incorporadas em todo o processo, desde a fase de concepção até o lançamento da peça ao mercado.
Conheça seu público-Alvo
- Identifique as necessidades e expectativas das partes interessadas e adapte a comunicação de acordo com essas barreiras mapeadas.
- Lembre-se de incluir nesta lista pessoas com variados tipos de deficiência, neurodivergência, formações e diferentes níveis de conhecimento sobre o tema.
Definição de objetivos claros
- Estabeleça objetivos de comunicação claros para o relatório, identificando o que você deseja alcançar com a mensagem e que tipo de ação ou atitude espera de cada público que mapeou. Isso ajuda a garantir que a comunicação seja direcionada, produtiva e eficaz na transmissão das informações sobre as práticas de sustentabilidade da empresa.
Simplifique a linguagem
- Evite o uso de linguagem técnica excessiva.
- Lembre-se de incluir explicações ou glossários para tornar termos técnicos ou expressões em inglês mais compreensíveis quando não for possível evitá-los.
Estruture o conteúdo de forma lógica e organizada
- Organize o relatório de forma lógica, com uma estrutura clara, coerente e intuitiva. Isso facilita a compreensão e a absorção das informações.
- Use títulos, subtítulos e resumos para orientar a pessoa leitora.
- Para cada tópico ou seção, imagine como a pessoa poderia resumir aquela informação e repassá-la para alguém numa conversa rápida.
Use recursos gráficos para destacar informações relevantes
- Utilize gráficos, tabelas, ilustrações ou qualquer outro recurso visual que ajudem a tornar os dados complexos e relevantes mais fáceis de serem compreendidos.
- Importante não basear informações apenas em cores para não excluir pessoas com daltonismo de sua comunicação.
Descreva as imagens
- Lembre-se de sempre de incluir descrição em todas as imagens em seus respectivos campos de texto alternativo caso seu relatório de sustentabilidade esteja em algum formato disponível na web para leitura (como PDF, HTML, e-PUB, entre outros).
- A descrição deve ser objetiva sem deixar de lado a relevância da informação que está sendo exibida na imagem.
Cuide da acessibilidade nos canais digitais
- Verifique se o relatório é acessível em plataformas digitais, como sites e aplicativos.
- Teste-o em diferentes navegadores e dispositivos para garantir que funcione corretamente inclusive com o uso de tecnologias assistivas, como leitores de tela, lupas de ampliação, mouses que funcionam com movimentos da cabeça e piscar dos olhos, entre outras.
- Siga as diretrizes da WCAG (Web Content Accessibility Guidelines, traduzido para o português como Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo na Web), que é uma das principais diretrizes elaboradas pelo W3C (Consórcio World Wide Web) para a construção de sites e aplicações acessíveis.
- Contemple essas mesmas diretrizes na divulgação de seu relatório em mídias sociais ou em canais e peças audiovisuais.
- Estar em conformidade com o artigo 63 da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) é algo também esperado de organizações que levam a sério as práticas ESG.
Teste seu relatório com pessoas usuárias diversas
- Conduza testes de usabilidade com pessoas de diferentes perfis, incluindo quem tem deficiência.
- Inclua mais essa etapa no desenvolvimento do relatório de sustentabilidade de sua empresa e se surpreenda com o resultado que terá.
- Você pode começar pedindo para pessoas diversas que trabalham em sua organização testarem um relatório já publicado. Isso vai ajudar, inclusive, a engajar seu público interno às ações socioambientais praticadas pela empresa.
- Adicione esse conhecimento às normas GRI e às práticas de acessibilidade e de comunicação produtiva e dê um passo além em seu compromisso com o desenvolvimento sustentável.
Inclua exemplos e histórias
- Considere use exemplos práticos e histórias de sucesso para ilustrar os princípios de sustentabilidade da empresa. Isso torna a mensagem mais envolvente e memorável.
- Valorize histórias de pessoas diversas tomando sempre o cuidado de não repetir estereótipos e preconceitos ou praticar capacitismo.
Promova o engajamento
- Incentive o feedback das partes interessadas e demonstre que a empresa valoriza suas opiniões.
- Oriente as pessoas leitoras do relatório sobre como podem tirar dúvidas, se envolver ou apoiar as iniciativas de sustentabilidade da empresa.
- Dê instruções claras e simples de serem compreendidas, facilite os canais de contato. Isso estimula a participação ativa, a colaboração.
- Você também pode estabelecer um mecanismo para coletar as reações e opiniões de quem lê o relatório. Use essa retroalimentação para melhorar continuamente a comunicação em relatórios futuros.
Seja transparente na prestação de contas
- Demonstre transparência em relação aos desafios e obstáculos encontrados no caminho da sustentabilidade. Honestidade e ética são características muito valorizadas e contribui para o aumento da confiança de seu público-alvo em relação à sua empresa. Isso torna a comunicação muito mais produtiva e eficiente.
- Sustentabilidade, assim como acessibilidade, é um processo contínuo e que requer dedicação, acompanhamento dos resultados e novos planos de ação constantes. E essa informação tem que ficar clara em relatórios de sustentabilidade.
Chamada para a ação
À medida que o ESG continua a desempenhar um papel fundamental nos negócios, é crucial que as empresas se comprometam com a comunicação acessível e produtiva em seus relatórios de sustentabilidade. Isso não apenas atende às diretrizes da GRI, mas também promove a transparência e a inclusão.
Convido as organizações preocupadas com a sustentabilidade e a responsabilidade corporativa a adotarem essas práticas de comunicação acessível e produtiva também em seus relatórios sociais e de sustentabilidade. Somente por meio da comunicação eficaz e inclusiva podemos construir uma sociedade mais sustentável e justa para todas as pessoas.