13 fatores de risco psicossociais da NR-1 e o papel da comunicação na prevenção

Foto de homem sentado à frente de uma mesa com laptop aberto, celular, tablet e alguns papéis. Ele está com os cotovelos apoiados na mesa e com as mãos cobrindo o rosto por debaixo dos óculos. O rapaz veste roupa formal e está em um ambiente que parece um quarto.
Adoecimento mental é o principal motivo de afastamento no trabalho e muitos gatilhos estão na comunicação ruim | Foto: Freepik

A forma como nos comunicamos no trabalho pode proteger ou comprometer a saúde mental das pessoas. Essa percepção, que já vinha ganhando espaço nos debates sobre cultura organizacional e liderança humanizada, ganhou um novo peso neste ano com a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1).

Agora, as empresas deverão considerar os fatores de risco psicossociais no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO). Isso significa que, além dos riscos físicos, químicos e biológicos, as organizações precisarão avaliar aspectos como assédio, sobrecarga, isolamento e más relações no ambiente de trabalho, já que todos eles impactam diretamente a saúde emocional e mental das pessoas.

Entre as causas de afastamento do trabalho no Brasil, questões relacionadas à saúde mental estão no topo desse ranking. Só em 2024, foram registrados mais de 440 mil afastamentos em razão de transtornos mentais e comportamentais. Segundo o Ministério da Previdência Social, esse número foi 67% maior que em 2023 e recorde da série histórica.

Há diversos tipos de gatilhos e causas de doenças mentais, o problema é realmente complexo. O objetivo deste artigo é focar em um recorte deste contexto: o papel da comunicação interpessoal no ambiente de trabalho como uma das formas de cuidado da saúde mental das pessoas.

Quanto mais eu estudo sobre isso, mais evidente fica a piora em nossa comunicação diária com colegas de trabalho. Cada palavra mal colocada (ou nem colocada!) é como aquela gotinha de água pingando constantemente num copo. Logo ele transborda e aí o estrago já está feito.

E é aqui que a comunicação se torna um fator-chave. Ela orienta comportamentos, influencia percepções, cria segurança ou insegurança e define a qualidade das relações humanas no trabalho.

O que é o Guia de Fatores Psicossociais da NR-1

Publicado em 2025 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho detalha como as empresas devem identificar, avaliar e controlar esses riscos no contexto do GRO.
O documento explica que os fatores psicossociais estão ligados a problemas de concepção, organização e gestão do trabalho e que podem gerar efeitos à saúde do trabalhador e da trabalhadora em nível psicológico, físico e social, como estresse, esgotamento e depressão.

Entre os exemplos citados pelo MTE estão as más relações no ambiente de trabalho, falta de clareza de papéis e funções, ausência de apoio e comunicação ineficaz. Ou seja, todos elementos fortemente conectados à forma como as pessoas interagem no dia a dia.

A seguir, listo os 13 exemplos de fatores de risco psicossociais relacionados ao trabalho que podem causar adoecimento mental, mencionados no Guia do MTE, e como a comunicação pode atuar como fonte de risco ou de prevenção.

1. Assédio de qualquer natureza no trabalho

O assédio moral, sexual ou organizacional é uma das formas mais graves de risco psicossocial. Envolve comportamentos repetitivos que humilham, constrangem ou inferiorizam a pessoa, causando estresse, ansiedade e até depressão.

A comunicação está no centro desse fenômeno, como o uso de palavras ofensivas, ironias, piadas discriminatórias e até o silêncio cúmplice diante de uma agressão são formas de comunicação violenta.

A prevenção começa pela criação de canais seguros de escuta, pela formação em comunicação não violenta e por uma cultura que valorize o respeito (e condene os abusos) em todos os níveis hierárquicos.

2. Má gestão de mudanças organizacionais

Mudanças são inevitáveis, fazem parte do jogo. Mas quando malconduzidas, geram medo, insegurança e resistência. Profissionais que não compreendem o “porquê” das decisões tendem a criar narrativas próprias e os boatos passam a ocupar o espaço do diálogo. A tal “rádio peão” continua existindo firme e forte – talvez até mais forte hoje em dia com os modelos complexos de trabalho.

O fato é que uma comunicação clara, antecipada e empática durante processos de reestruturação, fusões, novas metas ou trocas de liderança reduz a ansiedade e fortalece o engajamento. Transparência é o antídoto para a desinformação e o sentimento de ameaça.

3. Baixa clareza de papel ou função

Quando as pessoas não sabem exatamente o que se espera delas, o ambiente de trabalho se torna um território de incertezas. Isso gera conflitos, sobrecarga e sensação de fracasso.

A comunicação tem papel central na definição de responsabilidades, metas e prioridades. Reuniões de alinhamento, feedbacks contínuos e construtivos (ou feedforward), linguagem simples e acessível ajudam a evitar mal-entendidos e a promover segurança psicológica.

4. Baixas recompensas e reconhecimento

O esforço não reconhecido enfraquece o senso de pertencimento e a motivação. A ausência de feedback positivo ou o reconhecimento concentrado apenas em resultados, sem considerar o processo, também gera desânimo.

Expressar gratidão, celebrar conquistas e oferecer retorno construtivo de forma genuína fortalece vínculos e reduz o risco de adoecimento por desvalorização.

5. Falta de suporte ou apoio no trabalho

A “solidão profissional” é uma das grandes causas de sofrimento emocional. Quando líderes não escutam ou colegas não colaboram, logo surge o sentimento de isolamento. E em momentos de tensão ou pressão por entregas, outras emoções podem surgir, como medo, revolta e tristeza.

A comunicação empática, baseada na escuta ativa e no diálogo aberto, é a principal ferramenta para criar redes de apoio e cooperação. Um simples “como você está?” dito com interesse verdadeiro pode prevenir o agravamento de muitos quadros de estresse. Nessas horas também vale praticar o altruísmo e oferecer ajuda prática para aquela pessoa, provando que ela não está sozinha. Falo um pouco sobre isso no artigo “A importância da comunicação emocional na era da inteligência artificial”.

6. Baixo controle no trabalho / falta de autonomia

Trabalhar sob controle excessivo ou sem espaço para decisões pessoais afeta diretamente a autoestima e o senso de competência. A pessoa sente que apenas “executa”, sem participar. Nada empolgante isso, não é?

A comunicação hierárquica, autoritária ou unidirecional reforça esse padrão. Líderes que promovem conversas colaborativas, envolvem suas equipes nas decisões e pedem opiniões certamente experimentam ambientes mais saudáveis, seguros e participativos.

7. Baixa justiça organizacional

A percepção de injustiça, que é um forte gatilho de desmotivação e adoecimento mental, fica ainda mais evidente quando critérios de promoção, reconhecimento ou disciplina não são informados claramente.

Comunicar critérios, decisões e processos de forma acessível e coerente fortalece a confiança. Explicar é uma forma de respeitar o outro lado. Transparência na comunicação deve sair do discurso bonito e ir para a prática.

8. Eventos violentos ou traumáticos

Situações de violência, acidentes ou perdas no ambiente de trabalho impactam profundamente o equilíbrio emocional. O risco aumenta quando a empresa silencia diante do ocorrido.

Escuta ativa e empática, junto com uma comunicação sensível, acolhedora e respeitosa é a melhor receita para esses momentos. Reuniões abertas, mensagens de apoio e encaminhamento para suporte psicológico demonstram cuidado e responsabilidade.

9. Baixa demanda no trabalho (subcarga)

Engana-se quem pensa que apenas a sobrecarga causa sofrimento. A falta de desafios ou de tarefas compatíveis com as habilidades da pessoa gera tédio, sensação de inutilidade e desengajamento.

O diálogo é o caminho para identificar talentos subaproveitados. Conversas francas sobre expectativas, metas e desenvolvimento pessoal ajudam a equilibrar as demandas e a manter a motivação viva.

10. Excesso de demandas no trabalho (sobrecarga)

Do lado oposto, a pressão constante, falta de pausas e acúmulo de funções estão entre os maiores fatores de estresse ocupacional levando profissionais ao famoso burnout (ou Síndrome do Esgotamento Profissional). Muitas vezes, a sobrecarga nasce de comunicações mal-estruturadas, como prioridades mal definidas, metas pouco realistas ou ordens contraditórias.

Uma comunicação produtiva — com clareza, priorização, empatia e gestão de expectativas — ajuda a evitar o caos de informações que sobrecarrega mentes e equipes.

11. Más relacionamentos no local de trabalho

Más relações incluem conflitos persistentes, rivalidades, exclusão social ou clima hostil entre colegas e/ou entre níveis hierárquicos. Esses padrões vão destruindo gradativamente a colaboração, aumentam o estresse cotidiano e podem evoluir para absenteísmo e adoecimento mental.

A comunicação é tanto causa quanto remédio nesse caso. Conversas agressivas, fofocas e boatos contribuem para a deterioração das relações. Por outro lado, práticas comunicacionais intencionais ajudam a restabelecer confiança, como mediação de conflitos, treinamentos em comunicação não violenta, espaços regulares para diálogo e feedbacks e feedforwards mediados.

12. Trabalho em condições de difícil comunicação

Esse fator descreve situações em que barreiras físicas, tecnológicas, hierárquicas ou processuais impedem trocas claras e eficazes entre pessoas. Por exemplo: fluxos de informação truncados, ferramentas de comunicação inadequadas, ruídos por sobrecarga de canais ou estruturas hierárquicas que impedem o fluxo de retorno e a compreensão das informações/mensagens que circulam dentro da organização. Essas condições favorecem mal-entendidos, retrabalho, frustração, isolamento, aumento da pressão e do estresse etc.

A solução passa por projetar o que chamo de “intenção comunicacional”. Ou seja, simplificar procedimentos de inforFmação, padronizar canais (sabendo quando usar e-mail, quando usar chamada síncrona, por exemplo), treinar equipes em uso eficiente das ferramentas, e criar rotinas de checagem (resumos de reunião, confirmações de entregas).

Além disso, atentar para acessibilidade desses canais e das informações que circulam por eles reduz gargalos e torna a comunicação mais inclusiva e contribui para a segurança psicológica.

13. Trabalho remoto e isolado

O trabalho remoto trouxe vários benefícios, como autonomia e flexibilidade. Mas, com ele também veio a solidão e o afastamento emocional. A ausência de convivência presencial pode gerar sensação de invisibilidade e perda de pertencimento. Grande parte da comunicação acontece de forma não verbal, além do estreitamento de relações que acontece no café, entre uma reunião e outra etc. E quem está longe fisicamente perde tudo isso.

A comunicação digital precisa ser intencional, frequente e humanizada. Reuniões com espaço para trocas informais, feedbacks por vídeo e mensagens personalizadas e bem-humoradas ajudam a manter os vínculos e o cuidado mesmo à distância.

Como a comunicação ajuda a prevenir riscos psicossociais

A comunicação é um dos pilares invisíveis da saúde mental no trabalho. Ela estrutura relações, define percepções e influencia diretamente o nível de segurança psicológica nas equipes.

As pessoas se sentem mais seguras, pertencentes e valorizadas quando há clareza, empatia e coerência entre o que é dito e o que é feito. Por outro lado, quando há ruído, silêncio ou falta de escuta, abre-se espaço para ansiedade, desconfiança e isolamento. Não há segredo nisso.

Líderes que se comunicam com consciência ajudam a prevenir muitos dos riscos listados no Guia NR-1 do MTE, ainda que sem perceber. Uma reunião bem conduzida pode evitar o surgimento de boatos; um feedback construtivo pode impedir um afastamento emocional; uma mensagem acolhedora pode mudar completamente o clima de um time em crise. A comunicação é, portanto, uma medida preventiva e relacional, tão essencial quanto qualquer ação de ergonomia ou de gestão de riscos.

Além disso, comunicar com empatia não significa “falar bonito, baixo e sorrindo”, mas criar sentido e conexão. É olhar para a pessoa, e não apenas para a tarefa. É alinhar o discurso com os valores da empresa, com transparência e coerência. E é, acima de tudo, compreender que a qualidade das interações é o que sustenta a produtividade, o engajamento e o bem-estar coletivo.

Por onde começar: recomendações práticas para as empresas

O Guia NR-1 do MTE deixa claro que a gestão dos riscos psicossociais é responsabilidade de toda a organização, não apenas de suas áreas técnicas. Isso inclui RH, lideranças e equipes.

Mas como o assunto é complexo e amplo demais, sempre paira aquela dúvida: “por onde começar?” Reuni algumas recomendações práticas que ajudam a construir uma cultura comunicacional que apoie a saúde mental do público interno. Confira:

1. Mapeie os riscos comunicacionais

Analise onde os ruídos acontecem. Pode ser entre áreas, hierarquias, canais digitais, com as equipes remotas etc. No meu dia a dia, percebo ruídos a todo momento acontecendo nas trocas de e-mails, mensagens e nas reuniões formais e informais das equipes. Pequenas coisas vão virando uma “bola de neve” e logo se tornam um problemão de relacionamento que poderia ser tranquilamente evitado.

 Uma das formas de mapear esses riscos é por meio de pesquisas internas e rodas de conversa. O importante nesses momentos é identificar padrões.

2. Inclua a comunicação no GRO

Como parte da identificação, avaliação e controle dos riscos previstos na norma, considere também a comunicação interpessoal como um elemento que pode gerar ou prevenir adoecimento. É comum vermos a comunicação citada nos mapeamentos de risco mais como manuais, murais, adesivos com procedimentos de segurança.

Mas dificilmente há formas de se identificar riscos na comunicação do dia a dia, nos rituais de alinhamento, nos feedbacks etc.

3. Treine lideranças em comunicação empática e não violenta

Líderes são multiplicadores da cultura. O que uma chefia faz, de bom ou ruim, influencia diretamente o comportamento do restante do grupo. A liderança deve ser acompanhada de perto, cuidada para que cuide do seu time.

Oferecer capacitação sobre escuta ativa e empática, linguagem inclusiva, inteligência emocional e feedback construtivo é essencial para mitigar riscos. Mas, se a cultura da empresa não valorizar esses “novos comportamentos”, saiba que terá desperdiçado recursos e ainda estará em dívida com a NR-1.

4. Fortaleça políticas internas e canais de escuta

Crie canais de denúncia que funcionem de forma honesta e segura. Já vi muita gente com medo de usar esses canais e sofrerem retaliações mais severas do que os abusos que está sofrendo. Não basta ter o formulário ou e-mail. O processo todo deve ser bem cuidado e respeitoso.

Treinamentos constantes em mediação de conflitos e comunicação não violenta também são necessários. Enfatizo a palavra “constantes” porque não se cria novos hábitos com apenas um curso rápido.

Programas de apoio psicológico também devem ser considerados especialmente em empresas que estão em fase de transição de cultura para uma mais aberta e participativa, além daquelas que passam por processos de fusão.

5. Revise processos de mudança e crise

Toda mudança organizacional precisa de um plano de comunicação que vai além dos comunicados institucionais internos e externos. É a típica situação em que os boatos surgem rapidamente e, muitas vezes, se tornam histórias mais realistas que os fatos em si.

Mantenha uma comunicação constante e diálogo aberto. Sei bem que nem sempre é possível abrir todos os detalhes do que está acontecendo, mas as pessoas precisam saber disso. Ouça as angústias e medos das equipes, anote as dúvidas e retorne o mais rápido possível com as respostas, mesmo que ainda parciais. Essa demonstração de respeito é muito eficaz na redução da insegurança.

6. Promova campanhas de valorização e reconhecimento

Criar uma rotina de feedbacks positivos e comunicações de reconhecimento genuínas fortalece o clima emocional e o engajamento das pessoas. Muitas vezes, um elogio direto e/ou feito em reunião do próprio time tem um efeito mais positivo do que uma foto da pessoa no mural de destaques do mês.

7. Monitore continuamente

A gestão dos fatores psicossociais é um processo vivo. Não basta fazer uma pesquisa de clima no começo do ano e repeti-la no seguinte.

Avaliar regularmente a qualidade da comunicação e seus efeitos no clima interno ajuda a manter o equilíbrio e a prevenir o adoecimento. Crie métricas baseadas nos riscos mapeados no GRO e processos formais de acompanhamento da evolução ou retrocesso. Quanto antes o problema for mitigado, menor será o índice de conflitos internos que evoluem para problemas de saúde mental.

Os fatores de risco psicossociais descritos na NR-1 mostram que a saúde mental no trabalho depende menos de belas campanhas de endomarketing e slogans de impacto, e mais de relações verdadeiras e de uma comunicação que seja consciente e humanizada.

Cada palavra, gesto, reunião ou e-mail tem potencial para fortalecer ou fragilizar a segurança emocional das pessoas, especialmente entre líderes e equipes.

Quando a comunicação é usada com propósito e de forma estratégica, ela se torna uma poderosa ferramenta de prevenção, cuidado e cultura organizacional. E quando líderes, RH e equipes entendem que comunicar bem é parte da estratégia de saúde e segurança, o ambiente se transforma. É nessa hora que percebemos o diálogo substituindo o medo, a escuta silenciando o julgamento e o respeito quebrando o silêncio.

No fim das contas, comunicar de forma acessível, empática e produtiva é atender àquilo que toda organização saudável busca, que são resultados sustentáveis e pessoas saudáveis.